29 de março de 2024
Joseph Agamol

Fala baixo, João…


E lá se foi João Gilberto.
Ontem e hoje li/ouvi algumas pessoas pedindo desculpas mas afirmando que João era chato.
Que seu banquinho e violão eram insuportáveis.
Que sua voz sussurrada era monótona.
Fiquei matutando.
Penso que João Gilberto é um dos poucos motivos que o Brasil nos oferece para ter orgulho.
E até compreendo os que, coitados, o consideram “chato”.
João não era desse mundo.
João não era desse tempo.
João falava baixinho.
Disse alguém uma vez que a felicidade não devia ser gritada aos quatro ventos, mas sussurrada a poucos.
Em tempos de exposição exagerada do que devia ser íntimo, quando não se fala mais, apenas berra-se, não com receio de que o outro não ouça mas para abafar sua voz, seu murmúrio sutil era demodê.
Em tempos de musicas redundantes de decibéis escancarados, seu violão delicado, de poucos acordes preenchendo muitos silêncios, era fora de moda.
Em tempos de baticums acústicos e eletrônicos, de tempos acelerados, sua batida sincopada era obsoleta.
Em tempos de desespero, de grito e de berro, João falava baixinho.
E sua voz tinha o sotaque esquecido dos bondes e bossas, dos Tons e tais, das garotas e praias que não existem mais, e de um Brasil que foi se desvanecendo pelo caminho e se perdendo de si.
Fala baixo, João… que esse tempo não te merecia mesmo…

Joseph Agamol

Professor e historiador como profissão - mas um cara que escreve com (o) paixão.

Professor e historiador como profissão - mas um cara que escreve com (o) paixão.

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