18 de abril de 2024
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A bondade dos ministros

Confesso que sou má. Uma víbora sempre pronta a falar mal da vida alheia. Sequer reparo nas demonstrações de caridade cristã das minhas vítimas preferenciais. Eu, pecadora, confesso: minha culpa, minha culpa, minha máxima culpa.

Não é que ataquei os ministros do STF sem razão? Eles são generosos, gente. Encomendaram um farnel de primeira, caríssimo, mas tiveram o cuidado de prevenir qualquer sofrimento inútil aos futuros acepipes. Um dos ministros – sei quem é, mas não direi o nome, sou de direita, mas não sou burra – produziu um longo parecer, citando (em latim, claro) razões preciosas para as lagostas não serem transportadas vivas, acondicionadas em gelo. Seria crueldade, afirmou. Como diria o ex-ministro Magri, lagostas também são gente, sentem frio e assim, saracoteando de lá para cá em temperataura abaixo de zero, correriam o risco de falecer de hipotermia.
Na impossibilidade de agasalhá-las com um casaquinho ou um foulard básico, já que vestir animais com garras tão grandes poderia provocar um acidente de trabalho, alguém perder um dedo e, mais tarde, virar presidente da república. Ou, sei lá, ficar sem a mão inteira e ir queixar-se à Justiça do Trabalho. Deus nos livre, acidente de trabalho é prejuízo na certa. Então, os supremos preferiram não arriscar. Determinaram que as bichinhas deveriam ser sacrificadas por algum método benevolente, mas que não criasse problemas para a nobre corte.
Nem pensar na logística medieval de atirá-las ainda vivas na água fervente e colocar uma pedra sobre a tampa da panela para evitar que as pobres, desesperadas, fugissem do horror de serem cozinhadas vivas. Seria muita crueldade – seria mesmo, às vezes fico pasma com a capacidade humana de inventar maldades. Tal método, piedosamente, os ministros proibiram. Além do mais existe uma lei impedindo sujeitar os animais a sofrimento inútil. Não estou lhes dizendo que os ministros do STF têm a alma gentil? Falo mal deles à toa. Realmente, sou uma pessoa desprovida de bom coração.
Evidentemente, criou-se um impasse: como despachar os crustáceos para a vida eterna sem prejudicar a qualidade de sua carne? Pensaram num choque elétrico. Mas quem enxugaria dezenas de quilos de lagostas? Molhadas e com a eletricidade morreria ela e quem estava lhe dando o choque. Definitivamente, um método inválido. Quem sabe veneno? Não, por favor, a lagosta morreria, mas sua carne também ficaria envenenada.
Discute daqui, discute de lá – as lagostas quietas, só esperando o óbito –, alguém teve a ideia de matar de susto as pobrezinhas, lembrando-as que o destino que as aguardava era o bocão do Gilmar Mendes.
Foi a conta. Diante de tal infortúnio, as lagostas, de puro pavor, reviraram os olhinhos, desmaiaram e entraram em parada cardíaca.
Morreram de medo, as coitadinhas. Mas concordo com os ministros: mais vale ter um enfarte do que encarar a água fervente. Salve a bocarra do ministro Mendes. Ao menos uma vez na vida serviu a um bom propósito.
Dou a mão à palmatória. Impedir o desenlace cruel das lagostas foi um gesto magnânimo dos juízes do STF, seres fofos e abençoados.
Eu é que sou perversa. Não consigo deixar de olhar para eles e achar que estão armando alguma tramoia.
Não presto mesmo.

O Boletim

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