29 de março de 2024
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A fase do “outrismo”


Durante a campanha eleitoral em 2018, um candidato do DF ouviu do eleitor: “você é o melhor candidato”. Depois de agradecer, contente e iludido, o político ouviu mais isto: “Mas não votarei em você. Porque não quero o melhor, quero outro. Qualquer um, desde que seja outro”. Foi essa posição de “outrismo” que levou à grande renovação de parlamentares e à eleição do governo federal radicalmente diferente dos anteriores. Os políticos não perceberam seus próprios erros que, aos poucos, foram cansando os eleitores. É um sentimento parecido que está ameaçando nossas escolas: os pais não aguentam mais a situação e começam a buscar alternativas como a “militarização” ou “escola em casa”.
Não adianta argumentar sobre riscos da substituição de professores por militares, ou pelos próprios pais e professores particulares em casa. Cansados de violência, indisciplina, greves, baixo aprendizado, os pais não querem necessariamente uma escola melhor, caíram também no “outrismo”: querem outra escola. Eles têm razão, mesmo se não estiverem certos: da mesma maneira que os eleitores tinham razão, mesmo que não tenham acertado.
Às vezes, em nome de liberdade, ou comodismo, e quase sempre por falta de recursos, muitos pedagogos, professores, diretores de escola optaram ou foram forçados a fechar os olhos a atos de violência diária que provocaram, eventualmente, tragédias como a de Suzano, ou gestos de indisciplina corriqueira de alunos contra professores e colegas. Não há liberdade sem disciplina, onde prevalece a lei da irresponsabilidade e da força. Daí o descontentamento e o desencanto com a escola como ela está e, em consequência, a busca por alternativa, qualquer que seja. O pior é que fizemos um “pacto de aceitação” com os governos: com pequenos aumentos salariais, depois de cada greve, voltamos às aulas sem nada mudar na escola.
No ponto em que chegamos, o caos da indisciplina, a falta de respeito pelos professores, que são as maiores vítimas, o descumprimento de regras básicas e a tolerância com o bullying, além da visão superficial e acomodada de uma “pedagogia de aceitação”, é difícil trazer a escola para um clima de liberdade com responsabilidade, respeito, dedicação ao aprendizado. Nessas condições, sem cair na militarização, que pode romper o equilíbrio disciplina-liberdade, a escola precisa de assessoria externa da qual podem participar professores militares. Lamentavelmente, muitos educadores não querem discutir o assunto, porque há uma resistência a analisar nossos erros do passado.
Cometemos o mesmo erro dos políticos de não nos perguntarmos onde estamos errando, ao ponto de muitas famílias preferirem professores fardados. Precisamos entender quais erros cometemos ao longo de décadas: relaxamos na disciplina, ao não adaptarmos metodologias aos alunos digitalizados, perdemos a sedução da escola que ensina o aluno a aprender o que ele precisa para enfrentar o mundo moderno. Pensamos em fazer uma escola onde crianças e jovens se sentiriam soltos dentro da escola, mas despreparados para serem livres, eficientes e felizes depois da escola. Ao sentirem que a escola não os ajuda a construir suas vidas, os alunos caem no desamor e na raiva e cresce a indisciplina.
Como está, não é possível continuar, mas a disciplina forçada militarmente na mesma concepção de escola não vai resolver e pode até agravar a tragédia. O que faz as escolas militares serem boas não é pela militarização, mas porque têm prédios bonitos, professores preparados e dedicados e os alunos são estimulados para carreiras futuras. E porque, sendo poucas, os governos concentram recursos nelas. Esse é o maior risco da militarização de escolas públicas: se elas derem certo, deixando as outras abandonadas, a raiva, a indisciplina e o baixo desempenho vão piorar naquelas não militarizadas por causa da comparação.
A questão é entendermos nossos erros, fazermos propostas sérias para mudarmos as escolas, inclusive com disciplina, exigindo a revolução educacional que os governos anteriores não quiseram fazer e o atual governo do “outrismo” caminha para piorar. O mesmo vale para a ideia de escola em casa: é preciso entender por que as famílias, desencantadas com a escola atual, querem o “outro”, ao ponto de preferirem nenhuma, correndo o risco de isolarem suas crianças, em ambientes ainda mais restritos do que estão os alunos em grande parte das escolas privadas de hoje.Cristovam Buarque é professor da
Universidade de Brasília e foi senador (PPS-DF)
Artigo publicado pelo Jornal Correio Braziliense – 26/03/2019
Fonte: Blog do Cristovam Buarque

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