16 de abril de 2024
Sergio Vaz

Roberto é Brasil

Assim como a maioria dos brasileiros, ele é afável, amável – e sentimental.

Roberto é a cara do Brasil. A cara bonita de um Brasil bonito.

Não é um deus Apolo, não é terrivelmente belo como um Paul McCartney, um ex-Cat Stevens hoje Yusuf. Foi bonito quando jovem, hoje não é tanto – mas é terrivelmente simpático.
Roberto sempre foi muito mais emoção que razão. Desde bem cedo, foi muito romântico. Exatamente como o Brasil, os brasileiros.
Chico Buarque definiu maravilhosamente o Brasil, os brasileiros, no soneto perfeito que Ruy Guerra recita com seu sotaque moçambicano no “Fado Tropical”:
“Sabe, no fundo eu sou um sentimental. Todos nós herdamos no sangue lusitano uma boa dosagem de lirismo (além da sífilis, é claro). Mesmo quando as minhas mãos estão ocupadas em torturar, esganar, trucidar, o meu coração fecha os olhos e sinceramente chora…”
É Roberto, é o Brasil, são os brasileiros: somos todos sentimentais. “Sentimental eu fico / Quando pouso na mesa de um bar / Eu sou um lobo cansado carente / De cerveja e velhos amigos”, como escreveu Renato Teixeira, e Elis Regina cantou.
Cinquenta anos atrás, o ano do AI-5, que tornou a ditadura muito mais dura, Elis promoveu uma ridícula, patética passeata contra as guitarras elétricas na música brasileira. Guitarra elétrica na música brasileira em 1968 era a jovem guarda de Roberto Carlos – e era a jovem tropicália de Caetano, Gil, Gal e os Mutantes.
Elis tinha uma garganta perfeita e uma cabeça longe disso. Todos os grandes da música brasileira de 1968 ficaram a favor da guitarra, até porque, como se dizia em Paris e Caetano transformaria em canção, é proibido proibir.
Se a memória não me falha, Elis – após engolir guitarra como se fosse um grande sapo – gravou uma única música de Roberto-Erasmo. Mas Roberto não precisava dela.
Praticamente todos os demais grandes da MPB gravaram muitas canções de Roberto-Erasmo. Gal, já em 1968, em seu primeiro disco solo. Nara, em 1978, fez um disco inteiro de Roberto-Erasmo. Bethânia, que em 1964 havia substituído Nara no show Opinião, levou alguns anos, mas em 1993 também lançou um disco só de Roberto-Erasmo.
Caetano, esse fez mais que gravar Roberto-Erasmo. Depois de receber, no exílio londrino, a visita de Roberto, e escrever no Pasquim uma maravilha de texto que começava dizendo “o Rei esteve na minha casa e eu chorei”, compôs para ele uma canção especialmente forte, especialmente bela, “Como dois e dois” – que Roberto cantou agora no especial de fim de ano de 2018.
Em seu disco de 1971, o que abre com “Detalhes” (e que fez Guilherme Cunha Pinto, o Jovem Gui, escrever um maravilhoso texto no Jornal da Tarde dizendo que com o disco o cantor e autor se colocava na mesma estatura os grandes da MPB), Roberto gravou “Como dois e dois”.
Os mais jovens, os que não viveram sob a ditadura, não conseguem compreender o que isso significa. Mas o fato é que o maior ídolo da música popular brasileira gravar em seu disco anual, no auge da ditadura militar, no pior momento da presidência Garrastazu Médici, uma canção do exilado, proibido, execrado Caetano Veloso tinha uma importância gigantesca. Era um enfrentamento da ditadura, era uma belíssima manifestação de coragem – e de respeito pelo artista que desagradava profundamente o regime.
E não apenas gravou uma canção do exilado: compôs uma sensível, tocante homenagem a ele, “Debaixo dos caracóis dos seus cabelos”.
***
Roberto não é um ser político, de forma alguma. Seus bravos gestos de homenagem ao artista que a ditadura perseguia não foi político: foi emocional, sentimental.
É cristão. Canta Jesus Cristo – como tanta gente boa da música pop dos Estados Unidos, by the way, só pra não perder a oportunidade. Mas não é um fanático, um xiita, um fundamentalista.
Ao contrário de tanta gente na MPB, não é intelectual, não é uma pessoa que estudou muito. É um sujeito simples, quase xucro – ele mesmo chamou a atenção para os erros do seu Português ruim. É mais parecido com a imensa maioria do povo que os demais grandes da música.
É muito mais emoção que razão.
E é gente boa. Nunca jamais em tempo algum defendeu alguma coisa que fosse ruim, que fosse contra os direitos básicos do ser humano.
Muitíssimo antes ao contrário. É uma pessoa amável, afável, que jamais fez outra coisa na vida a não ser defender peace love and understanding.
É a cara do Brasil.
***
E é exatamente por isso que me assusto quando vejo as pessoas criticando Roberto. Fazendo gozações, agressões, zombarias.
Epa: tem muita gente que merece gozação, agressão, zombaria.
Mas Roberto, não, de forma alguma.
***
Quando brasileiros demonstram desprezo por Roberto, vejo que estão desprezando a cara que o Brasil tem – ou pelo menos tinha, até umas duas décadas atrás.
A de um país calmo, tranquilo. Romântico. De pessoas amáveis, afáveis.
Quando brasileiros demonstram desprezo por Roberto, estão desprezando o que há de bom neste país. Ou havia, até 2002, quando o chefe da quadrilha assumiu a Presidência e dividiu os brasileiros entre nós versus eles.

O Boletim

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