16 de abril de 2024
Sergio Vaz

O que passou pela cabeça do Boff?

Uma certeza dá para ter: ele não pirou.

O que passou pela cabeça de Leonardo Boff quando colocou no Twitter aquele post exortando seus seguidores a lerem “o artigo de Nelson Motta em O Globo de 9/11”? E dando em seguida duas frases do início do texto – “O juiz Sergio Moro estudou em Harvard como fachada, mas, na verdade, foi treinado pela CIA para criar a Lava-Jato e enfraquecer a Petrobras… Era o início de um plano diabólico gerado por mentes doentias no Departamento de Estado.”
O que passou pela cabeça do famosíssimo, incensado, respeitado teólogo, autor de diversos livros, professor universitário? Um intelectual, como diz a Wikipedia, “conhecido internacionalmente por sua defesa dos direitos dos pobres e excluídos”? Um grande intelectual brasileiro, respeitado por todos os Chomskys da vida?

Não digo qualquer criança de 5 anos, porque seria um evidente exagero, mas qualquer pessoa razoavelmente informada saberia de imediato que o texto de Nelson Motta era uma grande brincadeira, uma imensa ironia. Que, com aquele seu texto, Nelson Motta estava querendo dizer exatamente o contrário.
Se um professor fosse preparar seus alunos para interpretar o texto de Nelson Motta numa prova do Enem, ele poderia realçar algumas pistas que demonstram claramente que aquilo era ironia pura – não a expressão da verdade dos fatos. A saber:
* Nelson Motta, grande letrista de MPB, grande produtor musical, o criador das Frenéticas e o primeiro produtor de Marisa Monte, escritor de excelentes livros de ficção, é também, há vários anos, articulista de O Globo (durante um bom tempo foi também de O Estado de S. Paulo), e suas posições políticas são bastante claras. É um antipetista firme, convicto.
* Todo o tom de seu texto é de aberta ironia, sátira. A começar do título: “Conspiração diabólica”.
* Mas, vejam só, caríssimos alunos, vocês nem precisavam saber quem é Nelson Motta, qual é a posição política dele, nem precisariam perceber o tom de ironia, de sátira – embora o tom seja evidente demais da conta, até exagerado, propositalmente exagerado. Porque, vejam só como termina o texto. Basta ler o que ele diz. É assim:
“Mestre Veríssimo, um dos meus petistas de estimação, sempre se queixou da falta do ponto de ironia. Mas agora temos similar:
kkkkk.
PS: é claro que vão cortar o final e publicar como denúncia real… kkkkk.”
***
Pois então:
O que passou pela cabeça de Leonardo Boff quando colocou no Twitter aquele post exortando seus seguidores a lerem o artigo de Nelson Motta, como se fosse um artigo sério, que comprovasse as teorias loucas, insanas, estúpidas, idiotas, que fazem a “narrativa” do PT, a versão petista da História, a tradução para a Novilíngua dos fatos?
O cara pirou? Endoidou?
Exagerou na dose dos remédios psiquiátricos e entrou em transe?
É burro, estúpido, idiota? Não foi capaz de entender o que leu? Como é meio velhinho, talvez não saiba o que significa kkkkk?
Ah… Meio velhinho… 79 anos… Seria isso? Era um grande intelectual, mas agora, tadinho, esclerosou, como a gente dizia antigamente? Demenciou?
Mentes e corações nobres, magnânimos, poderão escolher uma dessas explicações. Tadinho do Boff: pirou! Tadinho do Boff: tomou uma overdose de remédio.
***
Muitíssimo provavelmente não foi nada disso aí.
Muitíssimo provavelmente, Leonardo Boff, em plena e sã consciência de seus atos, esperto pra cacete, sabia perfeitamente que o artigo de Nelsinho Motta era uma danada de uma ironia. “Mas caramba: que bela oportunidade de criar uma narrativa. Boto no Twitter, uns 10 mil dos fanáticos da nossa seita, sem entender direito o que era aquilo, retuitam feito loucos. Outros 100 mil, 200 mil, talvez 10 milhões, vão ouvir a história de segunda mão e ter absoluta certeza de que um sujeito escreveu no jornal O Globo tudo o que a gente inventou e quer que o mundo acredite.”
Consigo ver Leonardo Boff fazendo aquele gesto de vitória com a mão direita fechada, lançada para o ar: “Puta golaço, meu!”
Mas… Será?
Claro: não foi tão simples assim o raciocínio.
Exatamente porque é um grande intelectual, um homem inteligentíssimo, Boff estava cansado de saber que seria contestado. Reacionários filhos da mãe escreveriam nas redes sociais que ele estava louco, doido, que ele é um idiota, que ele não entendeu nada.
Calmo, sereno, lúcido, Boff pesou os prós e os contras. Pensou: – “Ah, o Ciro já me chamou de um bosta. Que diferença faz se uns babacas de uns reacionários filhos da mãe disserem por aí que eu fui burro, não entendi que era ironia? O que vale é que uns milhões de petistas vão acreditar que o jornal O Globo admitiu que é tudo um grande complô do imperialismo ianque para prender o Lula e eles tomarem conta do pré-sal!”
***
Será que poderia ter sido isso que passou pela cabeça de Leonardo Boff, esse intelectual respeitado internacionalmente?
Teria ele, entre fazer uma jogadinha besta para alimentar a narrativa petista entre os já convertidos, e tentar honrar sua biografia, optado pela primeira hipótese?
Seria ele tão fanático assim? Mais fanático pelo PT do que pelo seu próprio nome?
Eu não sei dizer. Não consigo imaginar.
Agora, que é um caso que merece ser estudado, lá isso é.
É um caso para ser estudado por gente da linguística, das ciências sociais, da antropologia. Ah, claro, da psiquiatria também.
Cada louco..
***
Ou meu faro jornalístico foi pras picas, ou então o faro jornalístico dos coleguinhas atuando nos grandes jornais foi pras picas.
O site de O Globo ignorava, até a 1 hora da manhã de sábado, o episódio inteiro – e, diacho, o Boff tinha usado para criar uma fake news um artigo do próprio jornal.
O site do Estadão percebeu que ali tinha uma notícia, e noticiou:
“Boff cai no ‘conto’ de Nelson Motta”, dizia o título. Veja a notinha inteira aqui:
A Folha de S. Paulo ignorou o assunto. Claro, Leonardo Boff não tem importância alguma, o fato de Leonardo Boff ter criado uma fake news não tem importância alguma. Legal.
O site 247, linha auxiliar do PT, não deu uma linha sequer.
Eis a íntegra do delicioso artigo de Nelson Motta:
***
Conspiração diabólica
Nelson Motta, O Globo, 9/11/2018
O juiz Sergio Moro estudou em Harvard como fachada, mas, na verdade, foi treinado pela CIA para criar a Lava-Jato e enfraquecer a Petrobras, derrubando o preço de suas ações para serem compradas a preço de banana por petroleiras americanas. Era o início de um plano diabólico gerado por mentes doentias no Departamento de Estado.
O começo foi perfeito. Sem provas e atropelando a lei, Moro encarcerou vários diretores da Petrobras levando o público a acreditar na farsa de que a estatal tinha se tornado um ninho de corruptos que roubavam para seus partidos, e para eles mesmos. Prendeu cidadãos de bem acima de qualquer suspeita como Eduardo Cunha, Antonio Palocci, Marcelo Odebrecht e figurões de vários partidos.
Sob orientação de torturadores da CIA, usou e abusou da delação premiada e das prisões preventivas, torturando psicologicamente os investigados para que entregassem seus companheiros, nos fazendo um país de Silvérios e traíras. Mas o grande traidor era ele mesmo.
O audacioso plano avançava. O objetivo final era a Presidência da República! Não para ele, que, pelos seus índices de popularidade, seria um candidato quase imbatível, mas para entregar o país aos americanos. Mas primeiro era necessário condenar e prender Lula, que tinha 35% das intenções de voto.
O mais difícil foi convencer os três juízes do TRF-4 a aderir à conspiração. Mas sabe-se lá com que meios diabólicos que justificassem seus fins, a sentença cruel de Moro foi confirmada por unanimidade. E ainda aumentaram a pena. O STJ e o STF aprovaram: Lula estava preso, e o caminho aberto para Bolsonaro, que tinha 5%, ser o catalisador do antipetismo. Bingo!
Com Bolsonaro eleito, Moro recebeu o prêmio pelo seu trabalho sujo, ou talvez castigo, porque ser ministro da Justiça do Brasil é um dos piores empregos do mundo.
Mestre Veríssimo, um dos meus petistas de estimação, sempre se queixou da falta do ponto de ironia. Mas agora temos similar:
kkkkk.
PS: é claro que vão cortar o final e publicar como denúncia real… kkkkk.
9/11/2018
P.S.: Achei interessante a arte da capa da IstoÉ desta semana, o arcanjo Ciro Gomes expulsando o PT do paraíso da oposição. Acho que tem a ver com a idiotice do Boff – e então vai aí.

O Boletim

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *