20 de abril de 2024
Sergio Vaz

A saudação nazista do Dr. Strangelove

Ao ameaçar a Folha, Bolsonaro joga fora seus gestos apaziguadores.
Nestas primeiras horas como presidente eleito, Jair Bolsonaro deu várias demonstrações de sensatez, de boa vontade. O problema é quando algo escapa ao controle da pessoa e demonstra a sua verdadeira natureza – uma natureza bem diferente daquele modelo de sensatez, de boa vontade, que está sendo apresentado ao público.
Aconteceu com Bolsonaro na entrevista no Jornal Nacional da Rede Globo, na segunda-feira, mal passadas 24 horas da apuração dos votos do segundo turno.
É como o Dr. Strangelove da obra-prima de Stanley Kubrick de 1964, no Brasil Dr. Fantástico. O Dr. Strangelove (uma das várias interpretações de Peter Sellers no filme) era um cientista genial, contratado pelo governo americano para desenvolver artefatos nucleares durante a Guerra Fria. Alemão de nascimento, tinha perdido a mão e uma parte do braço direito. O grande problema é que às vezes o braço e a mão mecânicas escapavam ao controle do Dr. Strangelove, e, contra a sua vontade, erguia-se para a frente, na típica – e pavorosa – saudação nazista. Com a mão esquerda, o dr. Strangelove bem que tenta segurar a mão direita, mas não adianta – o gesto já foi feito.
Jair Bolsonaro de fato deu demonstrações de sensatez. Em respeito à verdade dos fatos, e para não parecer, de forma alguma, que tenho preconceito, parti pris contra ele, gostaria de registrar algumas delas, entre as mais importantes ou simbólicas:
* No discurso que leu, por volta de 21h do domingo – depois daquela fala bastante destrambelhada, dirigida a seus eleitores, em rede social –, o presidente eleito fez diversas afirmações de que respeitará a Constituição.
“Faço de vocês minhas testemunhas de que esse governo será um defensor da Constituição, da democracia e da liberdade. Isso é uma promessa não de um partido. Não é a palavra vã de um homem. É um juramento a Deus.”
* Fez diversas afirmações de que respeitará as liberdades:
“Liberdade é um princípio fundamental: liberdade de ir e vir, de andar nas ruas, em todos os lugares deste país, liberdade de empreender, liberdade política e religiosa, liberdade de informar e ter opinião. Liberdade de fazer escolhas e ser respeitado por elas.”
* Fez acenos a todos os brasileiros, e não apenas a seus eleitores, e até mesmo demonstrou respeito pela diversidade, pela pluralidade:
“O que ocorreu hoje nas urnas não foi a vitória de um partido, mas a celebração de um país pela liberdade. (…) Este é um país de todos nós, brasileiros natos ou de coração. Um Brasil de diversas opiniões, cores e orientações.
* Não disse como, mas, na área econômica, prometeu encaminhar reformas, e buscar o controle do déficit público.
* Fez a defesa de um Estado menor – prometeu reduzir a estrutura e a burocracia do governo, cortar desperdícios e privilégios:
“Nosso governo vai quebrar paradigmas: vamos confiar nas pessoas. Vamos desburocratizar, simplificar e permitir que o cidadão, o empreendedor, tenha mais liberdade para criar e construir e seu futuro.
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Que maravilha! Após 13 anos, 4 meses e 12 dias de um governo
estatizante, admirador e construtor de um Estado gigante, mamutiano, que tudo pode e tudo faz, da Bolsa Família à Bolsa Empresário Amigo, um Estado paizão grande, um Estado babá, chega um presidente que assume prometendo desamarrar o Brasil, dar mais espaço para as pessoas empreenderem. Mais Brasil, menos Brasília.
Com acenos às reformas, e à responsabilidade fiscal.
Isso é música, maravilhosa música aos ouvidos de milhões e milhões e milhões de brasileiros.
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E, na entrevista para o Jornal Nacional na segunda-feira, disse que gostaria de ver votado ainda este ano ao menos um trecho da reforma da Previdência proposta pelo governo Temer;
Sensacional! Maravilha!
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Falou que vai convidar o juiz federal Sérgio Moro ou para o Ministério da Justiça ou para uma vaga que vier a ser abertura no Supremo Tribunal Federal.
Hum…
O melhor que se pode fazer para o país é deixar o juiz Sérgio Moro exatamente onde ele está, fazendo um belíssimo trabalho julgando os processos dos envolvidos no maior esquema de corrupção da História do mundo. Julgando os diversos processos ainda em tramitação que envolvem o chefe da quadrilha – a começar pelo referente ao sítio de Atibaia, cujas audiências serão retomadas nos próximos dias.
Mas paciência. O presidente da República eleito é ele, teve a maioria dos votos válidos – embora não tenha tido a maioria dos votos dos brasileiros aptos a votar. Então ele pode convidar quem quiser para ser ministro da Justiça ou do STF quando abrir uma das duas vagas que devem ser abertas durante seus 4 anos de mandato.

O problema foi que, como a mão e o braço do Dr. Strangelove, a natureza autoritária, despótica, ditatorial do ex-capitão do Exército assomou. Saiu de dentro daquele figurino controlado, que falava coisas sensatas.
Ao retomar as críticas – raivosas, horrorosas – à Folha de S. Paulo, ao ameaçar usar a distribuição de verba publicitária do governo contra os meios de comunicação que fizerem críticas a ele, Jair Bolsonaro jogou na lata de lixo todos os gestos apaziguadores que vinha tentando fazer, e mostrou a cara feia, horrorosa, pavorosa, de adorador da ditadura.
Demonstra que – exatamente como o lulo-petismo que combate – mistura governo e Estado.
Verba publicitária é do Estado brasileiro – não é do governo dele.
Usar chantagem econômica contra jornal que o critica é atentado frontal à liberdade de imprensa. É um cabal desmentido de todas as promessas de respeito à Constituição e às liberdades democráticas.
É crime.

O Boletim

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