Em 12 de dezembro de 1997 escrevi esta crônica para que fosse lida na Rádio Eldorado em um programa chamado “Crônica da Cidade.
Como tradutora que sou, volta e meia preciso de algum livro, para pesquisa, ou de algum dicionário especializado.
Desta vez, foi um dicionário de gíria… em francês.
Há tempos, ninguém me pedia nada do francês – para tristeza de muitos, especialmente dos próprios franceses, esta língua, outrora tão importante, está caindo em desuso (o que não deixa de parecer castigo divino para tanta empáfia e desprezo com que esse povo – especialmente os parisienses – brindava aqueles que visitavam seu país e não conheciam sua língua…).
Voltando ao dicionário, porém, tratei de ir até a Livraria Francesa que, pelo que eu me lembrava, tinha sua matriz na Rua Barão de Itapetininga – endereço, aliás, bem de acordo com os tempos passados…
Ali, por volta das 9 horas da manhã, encontro uma gentilíssima senhora, francesa, que me indicou a filial da livraria, no Itaim: merci bien, madame, bonne journée!
Feliz da vida, por não ser obrigada a ir ao centro da cidade, chego à livraria. Um dos atendentes, uma moça, me deixa à vontade. Dou uma olhada e decido levar também um dicionário enciclopédico novo, por um preço excepcional. Ao pedir-lhe o dicionário de gíria ela, para meu horror, disse que eles não tinham mais.
– Tem sim, disse eu brincando, mas muito preocupada. Você precisa encontrar um, deve ter um escondido… meu trabalho é grande!…
Após uma busca também na matriz, ela se oferece para encomendar um para mim.
– Impossível, respondo eu desesperada. O trabalho é urgente; meu Deus, o que é que eu vou fazer?
A moça pensa um pouquinho, vira-se para mim e diz: – Sabe o quê? Eu tenho um em casa que não estou usando e posso lhe emprestar! Eu moro aqui pertinho; espere um minuto que eu já volto.
PASMEM: a moça pegou seu carro, saiu e, em quinze minutos ou menos, estava de volta com a preciosidade.
Fiquei absolutamente embasbacada diante de tanto desprendimento, gentileza e genuína solidariedade humana. Além de embasbacada, comovida, agradecida e reconciliada com o gênero humano…
Moramos nesta megalópole indiferente e, quando não, francamente agressiva, onde um ato como esse tem que ser louvado e apregoado aos quatro ventos: obrigada, Cláudia Sampaio, por ter e demonstrar aquilo que eu identifiquei como sendo o legítimo espírito do Natal, ou seja, aquele que não tem data para acontecer, está presente e ativo o tempo todo, disponível para todo mundo, não só para os amigos e entes queridos.
Feliz Natal para todos, joyeux Noël – que lindo presente recebi de você, Cláudia!
Tradutora do inglês, do francês (juramentada), do italiano e do espanhol. Pelas origens, deveria ser também do russo e do alemão. Sou conciliadora no fórum de Pinheiros há mais de 12 anos e ajudo as pessoas a “falarem a mesma língua”, traduzindo o que querem dizer: estranhamente, depois de se separarem ou brigarem, deixam de falar o mesmo idioma… Adoro essa atividade, que me transformou em uma pessoa muito melhor! Curto muito escrever: acho que isso é herança familiar… De resto, para mim, as pessoas sempre valem a pena – só não tenho a menor contemplação com a burrice!