18 de abril de 2024
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O eleitor vai com raiva para a urna

Foto: Jane de Araújo | Agência Senado

Cristovam Buarque é pernambucano, mas vive desde 1979 no Distrito Federal, onde foi reitor da UNB, governador, ministro e é senador pela segunda vez. Os planos para 2018 são continuar em Brasília, mas ocupando o posto mais alto do Palácio do Planalto. Ele se define como presidenciável em entrevista exclusiva ao A TARDE, apesar de não ter sido lançado oficialmente pelo PPS. Cristovam está com 73 anos e lamenta que os eleitores tenham “trocado a desconfiança em relação aos políticos pela raiva”, o que avalia como perigoso, sobretudo nas urnas. Por causa desse sentimento, Cristovam entende que o próximo presidente vai ter que se dedicar a “tornar o Brasil mais coeso e com rumo definido”. Para ele, os governantes deveriam abrir mão de privilégios. O senador mora no mesmo apartamento há 37 anos e dispensa carro oficial. Defensor das reformas do atual governo, foi chamado de escravocrata por defender a reforma trabalhista e adiantou que vai votar favoravelmente à previdenciária.
O senhor é presidenciável. Tem vontade e disposição para concorrer à Presidência da República em 2018?
Eu tenho vontade e sinto quase um constrangimento para ser [candidato], diante do quadro que o Brasil atravessa e dos discursos dos outros candidatos.
Como o PPS ainda não lançou um nome e postergou a decisão para o ano que vem, o senhor não avalia que seria a hora de lançar o candidato para que o nome apareça nas pesquisas?
Eu acho, mas o partido, em função de uma fala do presidente Roberto Freire, chegou à conclusão de que não existe esse conceito de pré-candidato. Existe candidato e o partido ainda não está pronto para lançar um. O que ficou decidido no diretório é que quem achar que pode se apresentar como pré-candidato, que se apresente, sem pedir a bênção do partido.
Então o senhor se lança em uma carreira-solo como pré-candidato pelo partido?
Vamos dizer “meio” solo. Porque é sem a aprovação, mas com incentivo do partido.
O senhor disse que se sente constrangido, que o senhor seria uma opção aos candidatos da polarização Lula x Bolsonaro. Queria que o senhor desenvolvesse o que quer dizer com “constrangimento”?
Diante dos que estão aí, não pelas pessoas, mas pelos discursos que eles fazem, eu sinto um vazio de propostas para o Brasil. Eu lembro que em 2006 eu fui candidato contra Lula, Alckmin e Heloísa Helena. Eu disputei com eles e tive 2,5% dos votos, o que justifica hoje eu ser candidato. Sinto uma obrigação e um desejo.
Quais seriam as propostas do senhor?
Gerais são retomar a coesão que o Brasil hoje não tem. O Brasil está caminhando, a meu ver, para uma desagregação. O Rio [de Janeiro] é um exemplo, é um estado em desagregação. A violência não é controlada, os salários não são pagos, uma universidade estadual fechada, um descontentamento geral. Eu creio que o Brasil caminha para ser um grande Rio de Janeiro. É preciso alguém que traga coesão e o primeiro item para retomá-la é um presidente que, desde o primeiro dia, faça com que os políticos deem exemplos de tal maneira que a população se sinta identificada, solidária com seus líderes. Isso se faz acabando com as mordomias, os privilégios; construindo um governo de transparência nas relações com o Legislativo e com o Judiciário; definindo prioridades responsáveis, sem demagogia. Além disso, o próximo presidente tem que trazer rumo. Não pode ser como o atual é, preocupado com o imediato. Embora duas coisas do Temer eu acho que acenam para um rumo: as reformas trabalhista e da previdência. Mas o próximo governo tem que acenar onde vamos estar em 2030, em 2040, e não se preocupar onde vamos estar em dezembro e janeiro.
O nome do senhor é diretamente ligado à educação, essa seria a principal plataforma do senhor?
Minha plataforma é uma sociedade coesa e uma nação com rumo para o futuro. Isso significa alta produtividade, competitividade, inovação, distribuição de renda, respeito à natureza para dar sustentabilidade. Agora, o eixo pra tudo isso é a educação. Não é que minha prioridade seja a educação, é que a educação, na minha concepção, é o vetor que conduz tudo isso que a gente quer: a paz nas ruas, a produtividade para que o PIB cresça per capita, a capacidade de inovar produtos novos sem os quais a economia é atrasada. A distribuição de renda de que tanto se fala só se fará se os filhos dos pobres forem a escolas tão boas quanto a dos filhos dos ricos.
Ainda sobre educação, eu queria saber como o senhor vê o relatório do Banco Mundial sobre as universidades públicas?
O relatório do Banco Mundial mostra como a educação de base no Brasil está ruim, mas todo mundo só pensa no fato de que ele disse que é preciso encontrar novas fontes de financiamento para a universidade e que uma das maneiras é cobrar dos filhos dos ricos. Creio que o problema de discutir se rico paga e pobre não é baseado em uma concepção errada. Nós achamos que a universidade é uma escada social para os jovens subirem na vida, com o diplominha deles. Mas a universidade não é para ser escada social apenas é, sobretudo, para ser uma alavanca do progresso do País. Alavanca que precisa de engenheiros, professores, médicos e se precisa disso, quem quiser estudar essas coisas têm que estudar e o povo paga, porque não existe nada gratuito. Se um filho de rico quiser dedicar a vida dele à cura do câncer, ao invés de ficar em festa como playboy, não vou cobrar dele pra pagar o estudo do filho, vou pedir que ele pague imposto. Agora, os cursos que não são de necessidade da população, do país, acho que esses devem ser pagos pelo aluno e não pelo povo. A universidade alavanca deve ser paga pelo país, a universidade escada apenas por quem sobe a escada.
Voltando à coesão que o senhor falou, a pesquisa do Datafolha mostrou uma rejeição recorde aos políticos. O senhor já disse que ser político virou uma ofensa. Por quê?
Eu já disse aos meus colegas: ser chamado de senador hoje virou um adjetivo pejorativo, porque nós fizemos por onde. Apenas para dar um exemplo, aprovamos recentemente um fundo para campanha tirando dinheiro de setores prioritários para financiá-la. Propus que esse dinheiro saísse do salário da gente, ninguém quis. Nós, não todos, mas muitos estão enrolados em corrupção. Esse rapaz que foi pego puxando uma mala com dinheiro era deputado [em referência a Rodrigo Rocha Loures]. Um outro tinha um quarto cheio de dinheiro [em referência a Geddel Vieira Lima] era deputado até pouco tempo atrás. Isso foi contaminando. Aí alguns dizem: “A culpa é da Lava Jato”. Não, a culpa é nossa e a Lava Jato nos pegou. O povo tem razão de ter essa visão tão negativa dos políticos. Uma das tarefas primeiras do próximo presidente é reverter isso.
E é possível?
É, se você faz governo com transparência, ou seja, sem roubo. Se você acaba com os privilégios que a gente tem, inclusive os salários, que são altos.
O auxílio-moradia também?
Claro, o auxílio-moradia tem que acabar. Tem que acabar com um automóvel para cada senador. Eu não vejo a necessidade de avião para ministro, é perfeitamente possível viajar em avião de carreira. E faria bem esse contato do ministro com a população, para testar inclusive os erros que ele está cometendo. Se a gente faz governo com honestidade, sem privilégios e com prioridades corretas, por exemplo, aqui se fez um estádio [Mané Garrincha] de R$ 2 bilhões e a 50 Km não tem esgoto. Isso gera raiva. Essas raivas têm que ser vencidas. Então quando você fala que é alta a porcentagem de pessoas que não confiam, o que eu acho mais grave é que essa desconfiança virou raiva. Na próxima eleição o eleitor não vai com esperança, vai com raiva pra urna. Isso é ruim para o Brasil, porque a raiva não é boa conselheira pra ninguém individualmente, ainda mais pra uma nação inteira. É muito perigoso.
Nas urnas o resultado da raiva pode ser a tendência para uma extrema direita ou para um discurso mais populista?
Mais provavelmente pra uma extrema direita, em segundo lugar pra um populismo. Mas o populismo, pelo pior que seja, tem uma certa esperança corporativa. A raiva mesmo é o autoritarismo, matar bandidos, fechar Congresso. O povo vai votar com raiva. Eu sendo candidato, uma das coisas que eu vou tentar fazer é trazer a razão de volta para a política.
O senhor é do mesmo partido que o deputado Arthur Maia (PPS-BA), que é o relator da Reforma da Previdência. E o PPS fechou questão em favor da reforma. O senhor é a favor da Reforma da Previdência conforme o texto do deputado?
Sou a favor hoje do texto do Arthur Maia, mas a gente vai precisar fazer muito mais. O texto dele não vai ser suficiente para dar a sustentabilidade à Previdência nos tempos de hoje, em que os casais têm 1,7 filhos, em vez de 4 ou 5, e em que a gente está vivendo até quase 80 anos. Creio que a responsabilidade fiscal é fundamental, porque inflação é uma forma de corrupção em que você tira de todo mundo e dá para quem está no poder usar o dinheiro. Só um detalhe: na reunião do PPS fui contra o diretório fechar questão obrigando os deputados. Até porque sei que muitos deles não vão cumprir, o que vai ser uma desmoralização para o diretório.
E não tem punição?
E não vejo como expulsar metade da bancada. Então acho que foi um erro fechar questão, mas vou votar pela Reforma da Previdência, sabendo que isso também tira voto.
O senhor também é a favor da reforma trabalhista.
Fui a favor da trabalhista porque quando a atual lei foi feita não existia elevador automático, máquina de escrever elétrica, não existia nem de longe celular. Então, a evolução técnica obriga a uma mudança nas regras da relação capital/trabalho. Por exemplo, o trabalho intermitente. No futuro, todo trabalho será intermitente e acho que deveria começar com o Senado e a Câmara. Também defendi que empregado e patrão pudessem negociar as duas horas de almoço, pois é tão óbvio pra mim, que defendo educação, que no Brasil, vou arriscar um número, uns 2 milhões de jovens não estudam porque têm que ficar no trabalho até seis horas e não dá tempo de chegar à faculdade. Votei pra ele ficar uma hora no almoço e sair às cinco da tarde e poder ir pra faculdade. Muita gente achou que isso seria um retrocesso. Fui chamado de escravocrata por isso.
E agora um último tema, privatização.
Pra mim é claríssimo dizer: sou a favor de publicizar. Como é isso? Vamos pegar um hospital que é do governo, todo mundo diz que ele é público. Um hospital só é público se não tiver fila, quando se está doente, se você sair curado e não tiver que pagar. Um hospital do governo em que você não paga, mas fica na fila, não é público, é estatal. Ou que você até entra, mas não é curado, é estatal. Agora um hospital que pertença a uma pessoa, mas que não cobra, porque o estado paga a iniciativa privada que administra com mais eficiência, que cura, isso é público. O que vale pro hospital, vale pra escola. Acho que é possível a gente ter cooperativas de professores, o importante é que o aluno aprenda e que não custe ao pai. Isso vale para Eletrobras, ela é pública ou estatal? Acho que hoje está mais para estatal. É preciso publicizar a Eletrobras, aí não vejo problema em vender algumas ações da Eletrobras, desde que não seja o setor privado que defina as tarifas, porque daí deixou de servir ao público.
Se a gente não tiver Cristovam Buarque como candidato a presidente, teremos Cristovam candidato a que?
Não sei. Sinceramente. Eu não vou fazer joguinhos. Sei o que não serei, não serei candidato a governador do DF.
E candidato a senador?
Posso vir a ser do Senado, mas não estou com essa predisposição ainda.
E vice-presidente?
Não tenho nem um pouquinho de predisposição de ser vice, porque estou querendo levar um projeto, vice não leva projeto.
Michel Temer sim.
Aí você tem que contar que um avião caia ou que um impeachment chegue. Não quero contar com essas coisas que são muito ruins. Então, o candidato a vice não passa as suas ideias, quero passar minhas propostas.
E se o PPS não quiser bancar o senhor?
Aí eu não vou ser candidato.
Não vai procurar outro partido?
Não vou mudar de partido. Pronto, isso eu tenho certeza. Mudei duas vezes. É verdade que, esses partidos que estão aí, nenhum deles merece fidelidade absoluta. Mas de qualquer maneira não é fácil mudar de partido, é uma coisa dolorida e eu não sou mais menino.
Se o senhor fosse falar em poucas palavras, convencer os eleitores, o senhor diria vote em mim porque…
Eu vou me dedicar para recuperar a confiança no Brasil, que é um grande país, a partir de confiarem nos líderes desse país, entre os quais eu quero estar. E, pra mim, o caminho disso é retomar a coesão, definir um rumo e usar a educação do pobre tão boa quanto a educação do rico como sendo o melhor caminho para um Brasil que desejamos. Ganhei seu voto?

 Fonte: Jornal A Tarde – 17/12/2017
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