25 de abril de 2024
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O legado do fuzil


Nos anos que antecederam a realização da Copa do Mundo e das Olimpíadas no Brasil, não se ouvia outra coisa: os dois eventos iriam revolucionar senão o país, mas suas principais capitais, que seriam contempladas com tudo o que poderia haver de melhor em infraestrutura, equipamentos urbanos, trabalho, emprego, renda, desenvolvimento e dúzias de outras conquistas, que ficariam como legado para o país. Em termos de espaço de tempo, não foi preciso esperar absolutamente nada para ver que as coisas não seriam bem assim.
Antes mesmo da realização dos dois eventos, às vésperas de cada um e durante ambos, nunca pararam de pipocar denúncias, queixas e escândalos envolvendo superfaturamento, uso de materiais inadequados, obras abandonadas pela metade, desvio de milhões e um corolário de corrupção e enriquecimento ilícito de empreiteiros e governantes. Com o que está acontecendo agora no Rio de Janeiro, a cidade em tese mais beneficiada com a Copa e as Olimpíadas, não resta mais dúvida. Os dois eventos internacionais passaram pelo país como mais um delírio, deixando não um legado, mas encravando na cidade, no estado e no país, um Cavalo de Tróia, cheio de problemas, dívidas, corrupção, falência e armas para fortalecer o tráfico.
DOM DE ILUDIR – Se olharmos para boa parte das cidades brasileiras por onde a Copa passou, os principais legados talvez não passem dos grandes e milionários estádios de futebol, a maioria hoje sem utilidade alguma, exceto para o uso em eventos privados, da reforma de algumas áreas urbanas, e da modernização ou ampliação do sistema de transporte, como VLTs e metrôs. Um custo benefício altíssimo, afinal, sem Copa nunca poderíamos ter isso? Do tal legado social, nenhuma criança ganhou uma escola nova, nenhuma favela ganhou serviços que não tinha e o estado estrela das duas festas, o Rio de Janeiro, faliu em um nível tal que, em um piscar de olhos, pulou do estado de falência para o de decadência.
O que se vê hoje acontecendo nas favelas e morros cariocas, onde a Rocinha é apenas o caso mais visível e agudo, tem origens históricas, mas está, também, umbilicalmente ligado às escolhas feitas pelos governantes brasileiros e pelo poder público do Rio, após anunciar orgulhoso para o mundo o estancamento do tráfico de drogas com a implantação das UPPs. Era um grande engano, um delírio instantâneo para o exercício do dom de iludir usando a tela da TV. Em nenhum lugar do mundo se estanca o tráfico e a violência urbana apenas com a presença da polícia, como querem fazer crer populistas sanguinários, sem levar para áreas dominadas pelo tráfico tudo que a cidade dos mais favorecidos tem: serviços comunitários, escolas, saneamento, posto de saúde, dentista, lazer.
20 CASINHAS – O resultado está aí, e piorado: o estado voltou 20 casinhas atrás, fez de conta que o Exército daria conta cercando os pés da Rocinha por uma semana e indo embora depois. Nenhum grande traficante ou líder do pedaço foi pego, pouquíssimas armas foram apreendidas se compararmos a apreensão ao tamanho e ao custo da operação e o morro sai disso muito pior do que entrou, após 12 dias consecutivos de tiroteio.
O que ficou, ao final de tudo, foi o legado do fuzil: o roubo de energia elétrica através de ‘gatos’ ultrapassou 80%, o comércio local e nas imediações reduziu o faturamento em 90%, a clínica da família fechou, as agências e postos bancários que existiam dentro ou no entorno do morro fecharam e uma série de atividades voluntárias, como aulas de dança e música para crianças, deixou de ser oferecida. O fuzil venceu e continua vencendo todos os dias no Brasil.

O Boletim

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