28 de março de 2024
Yvonne Dimanche

Histórias da noite

HISTÓRIAS DA NOITE

Fiz o meu curso de Ciências Contábeis na Faculdade Morais Junior que fica no centro do Rio. Não sei como está agora, mas, ao contrário de quase todas grandes cidades, o centro do Rio é, ou pelo menos era, um deserto.
Só que a minha faculdade ficava na parte mais antiga ainda do centro e tinha prostituição. Para voltar para casa tarde da noite eu pegava o ônibus 136 na Av. Passos. Quando o camburão da polícia passava as meninas saíam correndo. Até hoje não sei onde elas se escondiam, simplesmente elas evaporavam. Quem não era puta ficava lá no ponto tranquila da vida.
Eu não me lembro dessas mulheres, mas uma me marcou. Mais feia do que a miséria e ela ficava na porta de um hotel. Feia, feia mesmo de dar pena. Não sei como um homem conseguia transar com aquela mulher. Só um desesperado como ela.
Por alguma razão que não sei explicar, eu acabei sentindo uma certa simpatia por aquela pessoa. Não sei bem se simpatia ou pena. Eu entrava no ônibus, sentava do lado da janela e olhava para ela parada na porta daquele hotel de vigésima categoria. Ela correspondia ao meu olhar.
Nos quatro anos de faculdade ela engravidou duas vezes. Profissional séria que era, nunca faltou ao serviço, com exceção de poucos dias.
Gente, pobre tem mais é que se danar. Ela não era gostosona que se dá bem na vida. Era uma morta de fome.
HISTÓRIAS DA NOITE 2

Não sei bem qual foi a comemoração, mas nós jovens, funcionários do Banco do Brasil, Agência Cinelândia nos encontramos por algum motivo. Lembro bem que a farra foi no Baixo Leblon. Risos mil, alegrias sem fim, juras de amizade eterna, até que a brincadeira acabou de madrugada. Fomos para o ponto de ônibus e eu estava com o dinheiro certinho para ir para casa.
Eu deveria ter pego o ônibus Largo da Glória-Leblon (571 e 572), mas peguei outro da mesma cor. Se não me falha a memória o 521 Vidigal-Mourisco. Quando vi que o ônibus entrou na Rua Marquês de São Vicente na Gávea, entrei em pânico. Saltei correndo e fiquei andando de madrugada no meio da rua. Eu iria a pé para casa, só que tinha um pequeno probleminha: grande parte desse percurso seria feito no deserto do deserto. Do lado direito o imenso muro do Jóquei Clube e do esquerdo o Jardim Botânico, enorme também.
Até que um senhor motorista de táxi parou e perguntou se eu estava com algum problema. Naquele momento desabei, chorei todas as lágrimas do mundo e falei o que aconteceu. Ele me respondeu que estava acabando o seu turno, iria para casa e passaria exatamente na minha rua.
Mais relaxada dentro do táxi, perguntei como ele percebeu que eu era uma pessoa de bem. Disse ele que depois de não sei quantos anos nessa profissão e trabalhando de madrugada, já sabe muito bem quem presta ou não. Ele me deixou na porta do meu prédio e só foi embora quando viu que eu entrei em segurança. Apesar de eu ter insistido para ele passar no outro dia para eu acertar a conta, eu nunca mais vi esse senhor. Teria sido ele um anjo?

O Boletim

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *