28 de março de 2024
Walter Navarro

Em que Brahmas, brumas e Brunas nos perdemos


A única coisa que não envelhece no Brasil é a crise. Até o Roberto Marinho e a Hebe Camargo morreram, menos nossa lama diária. Aos 54 anos, com corpinho de 84, me lembro de ouvir duas ladainhas: “Vai melhorar” e “Não tem jeito”. A segunda venceu de goleada. Goleada tipo Barcelona com Neymar, típico brasileiro que dá certo.
Só os tolos não são pessimistas, já dizia Mark Twain. Em compensação todo otimista que conheço é um bobo alegre.
Por essa e “ostras” com vinho branco, sempre achei que o filme “Cronicamente Inviável” (2000) de Sérgio Bianchi, deveria ser currículo de escola e faculdade. Desde que o professor saiba explicá-lo!
“Fora as alegrias pessoais, sigilosas (os pecados bem sucedidos, como queria Rubem Braga, n.d.r.), o saldo do ano está longe de ser positivo. Recessão, inflação, desemprego. Como o Brasil, o mundo inteiro está dizendo que o ano já vai tarde, ainda que nuvens mais negras se avolumem no horizonte do ano que vem. Nem o Dr. Pangloss estaria otimista numa hora assim. O jeito é esperar que se confirme o ditado e que o diabo não seja tão feio quanto o pintam”. Pasmem e chorem, este texto é de Otto Lara Resende, na revista Veja, de 29 de dezembro de 1982. Achei a revista por acaso, num baú de espantos, em meu retiro involuntário, em Barbacena.
Aí recebi o texto “A caminho do brejo”, de Cora Rónai, publicado em O Globo, dia 8 de dezembro de 2016.
“A sociedade dá de ombros, vencida pela inércia. Um país não vai para o brejo de um momento para o outro… Aquelas alegres viagens do então governador Sérgio Cabral, por exemplo, aquele constante ir e vir de helicópteros. Aquela paixão do Lula pelos jatinhos. Aquelas comitivas imensas da Dilma, hospedando-se em hotéis de luxo. Aquele aeroporto do Aécio, tão bem localizado. Aqueles jantares do Cunha”. E por aí vai, foi-se, foice e fu!
E quem disse que ainda temos brejo? Muito otimismo…
Brejo até seria legal, tem perereca…
Estamos indo mesmo é cada vez mais para o abismo. Lembrando, ainda Otto Lara Resende que, abismo vem do grego abyssos – quer dizer, sem fundo.
E não vai ter abismo para todo mundo!
E o Brasil, em vez de tentar escapar do abismo, subindo, ao chegar ao fundo do fundo, começa cavar os lados pra caber mais.
Politicamente, o Brasil vai mal há 517 anos. Só quem chegou anteontem de Plutão ainda não sabe.
O raciocínio de ir para os abismos mais profundos do brejo, serve para explicar outras decadências sem elegância do Brasil, o País do Fu(tu)ro.
Nada no Brasil dá certo, nada funciona e quando funciona, funciona errado. Basta consultar no Procon, a lista de reclamações; todos os serviços essenciais estão lá: telefone, TV a cabo, Internet, bancos, etc.
O Brasil mostra-se um país de burros – com perdão dos animais – e desonestos em todas as classes sociais.
E com o perdão de mais uma citação, desenterro o farol, Nelson Rodrigues: “Tenho inveja da burrice porque ela é como a Pedra da Gávea, eterna”.
Para não entrar em mais obviedades ululantes como a escrota política; Saúde, Transporte, Segurança e o resto, faço pequena pausa para a Educação e Cultura, tão ou mais negligenciadas que todas as outras áreas fundamentais para as melhores civilizações do ramo.
Por isso, de novo: em que Brahmas, brumas, Brunas, bundas nos perdemos?
Um país não vai para o brejo ou para as regiões mais abissais do buraco de um momento para o outro…
Vai lentamente, lembrando que lentamente, devagarzinho, em espanhol, é “Despacito”…
Assim, finalmente Belchior pode ser desmentido. Nossos ídolos não são mais os mesmos porque eles não são mais eles mesmos. O próprio Belchior morreu!
Mas, é aos poucos, “despacito”, que a gente passa de Villa-Lobos e Tom Jobim para Wesley Safadão e Anitta. Axé, sertanejo, funk, pagode!
Em que bidê de bordel perdemos a bússola?
Não é saudosismo ou velhice chegando e eu chegando ao fim. É fato, constatação…
Meu pai, que nasceu em 1923 e morreu em 2001, dizia que música boa era a da época dele. Uma clara injustiça, visto que, o mesmo Tom Jobim, Francis Hime, Chico, Caetano, Gil, João Bosco, Edu Lobo, João Gilberto, Zé Ramalho, o Clube da Esquina, claro; nada devem à música dos tempos de meu pai, como Ary Barroso, Ataulfo Alves, Cartola e até antes, com Noel Rosa.
E hoje? O que (não) temos?
Nem futebol jogamos mais.
Mas, eu disse que me restringiria à Cultura ou à falta dela e da Educação.
E para provar, gritar discursos no deserto dos Tártaros e desdentados, pego outra velha revista Veja.
Este acaso, esta Veja, ainda mais antiga, leva a data de 26 de abril de 1976! 41 anos!
Nas páginas de Música, estavam lá a parceria entre Alaíde Costa e Milton Nascimento, onde Alaíde, lançando disco, numa ação entre amigos, desabafa um “crime” ainda e sempre atual: “Só espero que tudo isso renda alguma coisa. Estou cansada da rotina do dinheiro curto, que mal dá para andar, comer, vestir”. Tadinha! Mais uma otimista no brejo.
Ao lado, matéria sobre o segundo disco de Luiz Melodia, “Maravilhas Contemporâneas”, que acaba de morrer. Ele tinha 25 anos em 1976!
Fechando as duas páginas, outra crítica do grande Tárik de Souza, sobre o lançamento de discos de Jazz, pode? De Dizzy Gillespie pra cima. Quem? O que? Como?
Um país não vai para o beleléu de um momento para o outro. Um país não vai do teatro para o Domingão do Faustão da noite para o dia.
Também na literatura, o malogro chega de mansinho. Vamos dar uma olhada na lista da Veja, com os livros mais vendidos naquele abril de 76?
“Gota d’Água”, de Chico Buarque; “Feliz Ano Novo”, de Rubem Fonseca; “A Grande Mulher Nua”, de Luis Fernando Veríssimo; “Malhação do Judas Carioca”, de João Antônio; “A Última do Brasileiro”, de Ziraldo; “Compozissóis Infãtis”, de Millôr Fernandes e Zero, de Ignácio Loyola Brandão.
Entre os estrangeiros, os best-sellers de sempre, como os milhões de deliciosos livros de Agatha Christie, os cinematográficos “Tubarão”, de Peter Benchley e “O Pastor” de Frederick Forsyth, fora este, muito sintomático para a época: “Os Militares na Política”, de Alfred Stepan.
Auto ajuda? Tirando o clássico “Como Fazer Amigos e Influenciar Pessoas (1936), de Dale Carnegie, nem existia. Hoje, tem uma coluna especial, só pra este tipo de “otimismo”, na mesma Veja.
PS: Ah! A Brahma tá quente, a bruma é de poluição e a Bruna não é a Lombardi, mas a Surfistinha, que nunca viu uma prancha na vida porque estava sempre de costas.

Walter Navarro

Jornalista, escritor, escreveu no Jornal O Tempo e já publicou dois livros.

Jornalista, escritor, escreveu no Jornal O Tempo e já publicou dois livros.

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