26 de abril de 2024
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Sobre Caetano: tente ser talentoso, irretocável e jovem aos 75 anos

Foto: ANDRE LESSA/ESTADÃO

É fácil, natural, ser maravilhoso aos 20 e poucos, aos 30, aos 40… Mas tente ser bonito, talentoso, produtivo, irretocável e jovem aos 75 anos. Vá, tente e veja o quanto ao redor do buraco desse desafio tudo é beira. Caetano fez 75 anos. Caetano não é apenas um cantor/compositor/artista. É uma obra literária inteira, composta de dezenas de tomos. Em primeira pessoa: é a trilha sonora da minha vida desde a primeira vez que o ouvi, num tempo que já não lembro. Sou passional e intensa na vida, nas palavras, nos gostos, desgostos, nos amores, nos desamores, nas admirações. A mim, tudo o que Caetano diz, escreve, canta, é genial. É genial e ponto. Sem adversativas. Sem mas, sem porém, sem contudo. Caetano É e SE sabe. Envelhece cada vez mais jovem, aberto para inserir em sua obra o que lhe é novo, em sonoridade, temas, palavras. Que o diga Cê e Zii e Zie, azougues nos meus ouvidos, rasgos de sons e metais feitos com meninos que poderiam ser seus netos, mas são seus parceiros de criação.
Minha geração idolatrou Cazuza, inscreveu e corticalizou as canções de Renato Russo, mas em mim Caetano sempre esteve sobre e sob, acima, abaixo e ao redor do meu prazer auditivo, da minha tristeza, da minha alegria, do meu lirismo, da minha capa fake de mulher maravilha (Vaca Profana), dos meus instintos mais primitivos (Tigresa). Já tive várias oportunidades de ver e estar em ambientes onde Caetano estava, entre amigos, sem muvuca, de Salvador a Santo Amaro, diante de Dona Canô, que virou Orixá mesmo quando era viva – e lhe disse isso um dia e tenho testemunhas e imagens -, mas nunca lhe pedi um autógrafo. Pedi, ou dei, tanto faz, abraços, desses ternos que faz a gente se sentir numa cerimônia religiosa, num rito.
Bob Dylan ganhou um Nobel de Literatura por suas canções folk. Eles não se parecem em forma nem conteúdo, mas acho injusto não haver nesse país um prêmio literário para tudo o que Caetano escreveu, musicou e cantou ao longo de sua vida. Pela qualidade da sua obra, em sofisticação, riqueza estética, abrangência temática, sonoridade. Falar em quantidade parece vulgar, mas pensemos no tamanho da obra de Caetano. Compõe, canta, grava, trafega no cinema, escreve, incorpora o novo, inova, reinventa-se todo o tempo, surfando sobre qualquer pertencimento, cafonice, mesmice e machice.
Comumente as mulheres têm Chico como mito. O meu é Caetano. Para ler, para ouvir, para amar, para viver, para chorar. E, claro: para levar como trilha para uma ilha deserta, caso um dia me façam essa pergunta clichê. Vida longa, Caetano, dono dos melhores versos que já ouvi e cantarolei. Suas canções fizeram sempre minha vida mais bonita, mesmo quando ela esteve feia, fria ou triste. Deve ser estranho ser ídolo e se saber assim, sendo carregado pelas pessoas por suas vidas adentro e afora. Obrigada por tantas vezes ter sido minha companhia involuntária.
E sim: você não merecia uma biografia tão mal escrita. Alguns trechos, muitos deles, me deram vergonha alheia. Uma coisa adjetivada, e muito mal adjetivada, e mal narrada, como aqueles best sellers americanos que li na adolescência, por falta de opção. Você não merece ser mal contado.
Vida longa a você e aos seus talentos. E a mim, para frui-los.
Texto originalmente publicado no Facebook

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