29 de março de 2024
Walter Navarro

Bebendo a Cidade-Vinho

Foto: Revista Adega (Arquivo Google)

Que “marravilha”! Há duas semanas não escuto ou leio o palavrão Dilma e tudo o que vem atrás, à frente e ao lado deste nome feio. Graças a Deus ainda estou viajando. O Brasil é apenas um polaroide na parede, mas como sói ser! Tem, mas acabou não, está acabando, mas ainda estou viajando. Tudo que é bom dura porco. No último capítulo desta prosopopeia, deixei meus comentários na primeira gaveta à esquerda, fundos, horário comercial, em Paris. Agora já estou em Lisboa, tendo passado quatro dias em Roma. Voltemos pois à Paris, cada dia mais linda, cheirosa e gostosa; cada vez mais velha, palatável e comestível. Mesmo com estranha primavera: chuva, sol, frio, calor; de um dia para o outro, não há do que reclamar. O charme de Paris é Inês Gotável e o horário de verão completa o pacotão . O verdadeiro horário de verão, que o Brasil deveria adotar, vai de fim de março a outubro.
Repito porque o que não é repetido resta inédito. O Brasil deveria ter horário de verão o ano inteiro ou quase. Porque o Brasil é quase verão (estate) o ano inteiro. Muita gente reclama porque está mal acostumada. Acordar uma hora mais cedo não dói, é questão de hábito e ajuda economizar energia, absurdo que infelizmente grassa nosso país tropical, abençoado por Deus e desgraçado pelo PT. O horário de verão é como o Pão de Açúcar do Abílio Diniz: lugar de gente feliz. É uma delícia sair do escritório ainda à luz do dia, pena que não seja pecado. Fica todo mundo mais animado. Mesma coisa na Europa. Franceses e turistas esbaldam-se em animação. Nos arrabaldes do Palais Royal, no centro, onde aluguei charmoso apartamento, os bares e restaurantes ficam lotados no happy hour, aproveitando os infinitos inquilinos dos escritórios vizinhos. Quando o PT morrer e o Brasil nascer, “todos os brasileiros vão morar em Ipanema” e com horário de verão.
A festiva Paris de Hemingway, Fitzgerald & Cia, nos anos 1920, como diz Sérgio Augusto, em seu livro, “E foram todos para Paris”, atraiu muitos artistas, principalmente dos EUA – que sofriam a draconiana Lei Seca – com bebidas gerais, liberadas e o dólar valendo 25 francos. A Paris de hoje, sempre artística, continua pulsante e etílica, mas o dólar e o real valem menos que o euro. Sentar-se às concorridas e minúsculas mesas de Paris, é como o amor sincero, custa caro. Um chope de 500 ml sai a R$ 36 e uma honesta garrafa de vinho, não por menos de R$ 120. Imaginem na copa. Na copa da cozinha. Os pratos variam, mas a variedade de preços e opções são enormes.
Londres, por onde comecei meu idílio amoroso, está mais festa que Paris. Há um perfume de crise no ar de Paris. Mas é perfume francês. Crise mesmo vi em Roma e vejo em Lisboa, mas isso é assunto para outro capítulo deste diário de bordo.
Paris! Paris! O que mais posso falar de lá? Um show de civilização para as grandes cidades do Brasil. Andei de metrô, ônibus e trem. Andei a pé e até meus passos obedeciam a horários impecáveis. Fui ao quase novo e monumental museu do Quai Branly, rever a amiga Tieta e fazer umas “comprinhas”. Saí de lá carregado de sacolas pesadas. A cultura pesa, mas não engorda! Flanei a pé pelas arborizadas ruas primaveris. Resolvi voltar de ônibus. No ponto vazio li, nos letreiros eletrônicos, que faltavam dois minutos para o próximo comboio. Quando faltava um minuto, olhei para o final da rua e lá estava ele, o ônibus da linha 69 (adoro este número) que já usei muito e vai até um de meus passeios favoritos, o cemitério do Père Lachaise. Pontualidade britânica na França. A isso chamo respeito com o cidadão.
Claro que, nos horários de pico, a cidade é uma confusão, com trânsito “pénible”; franceses apressados, correndo, loucos para chegar em casa e acender a televisão. Mas tudo funciona. Ninguém fica mofando numa estação de ônibus ou de metrô, neste, por exemplo, quando há um pequeno e raro atraso, um microfone explica e pede desculpas, garantindo o serviço o quanto antes.
Nossos governantes deveriam esquecer seus umbigos sujos e viajar mais para países sérios, para aprender que o básico é simples quando se sabe.
E o lixo reciclado em cada prédio da cidade?
E as obras que mudam a paisagem e respeitam os prazos prometidos?
E a população que vota consciente nas eleições, puxando a orelha dos políticos que não dançam conforme a música prometida? Não é Monsieur François Hollande?
E o visível retorno social dos altos impostos cobrados na França?
PS: bom, de novo, já escrevi demais. Depois volto com Roma e um pouco de Lisboa. Bisous a tous.

Walter Navarro

Jornalista, escritor, escreveu no Jornal O Tempo e já publicou dois livros.

Jornalista, escritor, escreveu no Jornal O Tempo e já publicou dois livros.

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