28 de março de 2024
Sergio Vaz

Jornalismo, histeria, terrorismo


Um artigo e um editorial para a História.
Poderosos meios de comunicação fizeram terrorismo. Tentaram criar um ambiente inflacionário – algo perigosíssimo em um país que viveu afundado em inflação crônica por mais de três décadas.
Quem diz isso não sou eu.
Desde 19 de maio venho chamando a atenção para a histeria com que as Organizações Globo promovem sua Cruzada contra o governo Temer. Tenho sido insistente nisso. Tão insistente que pode parecer também uma campanha, uma Cruzada.
Mas quem diz isso é Rolf Kuntz, um dos mais sérios, mais bem preparados, mais lúcidos e mais sóbrios, mais ponderados jornalistas econômicos do país.
Eis trechos do artigo que Rolf Kuntz publicou no Estadão de domingo, 23/7, sob o título – tão forte quanto límpido – “Inflação, expectativa e terrorismo:
“Há uma distância enorme entre apontar pressões inflacionárias presentes, ou ainda prováveis, e produzir material terrorista. Alimentar expectativas de altas de preços é criar condições para aumentos efetivos.”
“O estrago pode ser muito maior – e muito mais duradouro – quando poderosos meios de comunicação anunciam enormes efeitos inflacionários de um reajuste do PIS-Cofins cobrado sobre os combustíveis. Predições desse tipo ocorreram nos últimos dias.”
“Fazer oposição ao governo, ou mesmo campanha contra um governante, é muito diferente de tentar criar um ambiente inflacionário. A inflação atinge todas as pessoas, e mais duramente as mais pobres. Isso é terrorismo.”
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Repito, e grifo: “Fazer oposição ao governo, ou mesmo campanha contra um governante, é muito diferente de tentar criar um ambiente inflacionário.”
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Rolf Kuntz não fala em Organizações Globo. Usa “poderosos meios de comunicação”.
Quem fala Organizações Globo sou eu. Desde o dia seguinte ao anúncio da delação premiada dos irmãos Batista, em meados de maio, venho dizendo e repetindo que as Organizações Globo deixaram de fazer jornalismo isento para fazer uma campanha, uma Cruzada para derrubar o governo.
Felizmente, não sou uma voz isolada. A cada dia que passa, vejo que mais pessoas dizem a mesma coisa que eu, nas redes sociais.
E agora o texto sério, lúcido, sóbrio, ponderado de Rolf Kuntz vem para reforçar essa certeza.
Nesta terça-feira, 25/7, dois dias depois do artigo de Rolf Kuntz, foi a vez do próprio Estadão, em editorial, tratar do assunto. Sem meias palavras. De forma igualmente clara, límpida:
“Apesar de previsões catastróficas divulgadas por alguns meios de comunicação, os especialistas parecem ter ficado imunes ao pânico. A mediana de suas projeções para 2017 passou de 3,29% na semana anterior para 3,33% na sondagem fechada na sexta-feira passada e divulgada ontem. Já na sexta-feira, profissionais consultados pela Agência Estado haviam antecipado uma pequena variação nos cálculos e novas estimativas nada assustadoras.”
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Aqui vai a íntegra do artigo de Rolf Kuntz, e, em seguida, a do editorial do Estadão.
Inflação, expectativa e terrorismo
Por Rolf Kuntz, Estadão, 23/7/2017
Uma carcaça de boi no meio de um pasto seco foi uma das estrelas da TV nos primeiros meses do Plano Real, quando a inflação começava a se acomodar em níveis quase civilizados. A imagem reapareceu várias vezes, durante algum tempo, ilustrando reportagens sobre o preço da carne. Para os mais informados, ou simplesmente mais desconfiados, o noticiário sobre os estragos causados pela seca eram exagerados. A desconfiança era justificada. Os preços dos bois – e da carne – subiram por algum tempo e em seguida entraram numa longa queda. Demorou um pouco, mas os fatos se impuseram ao mercado. A inflação da carne, tão bem vendida aos expectadores com a imagem sinistra de uma carcaça, ou até de algumas, acabou mudando de sinal e se convertendo em queda de preço.
Na década anterior, uma nova doença havia atacado algumas plantações de trigo no Paraná. O noticiário cresceu. Em pouco tempo já se mencionavam sinais do estrago em todo o Estado e, logo depois, na maior parte da Região Sul. Quebra de safra? Nada disso.
Em reunião com um grupo de assessores de imprensa de várias cooperativas, um jornalista da área, pouco disposto a engolir qualquer vigarice, fez a pergunta inevitável. Os assessores confirmaram, rindo de forma despudorada, a desconfiança do repórter. O problema nos trigais era muito menos amplo do que se divulgara. A manobra toda era um tanto grotesca. Dificilmente afetaria o mercado e seria preciso algo muito mais substancioso para induzir o governo a aumentar o preço mínimo para aquela safra. Mas como resistir à tentação?
Sempre houve, e ainda há, jornalistas e órgãos de comunicação empenhados em tratar a inflação e outros temas delicados com responsabilidade, cautela e alguma desconfiança, assim como há organizações e profissionais menos presos a essas preocupações. Há uma distância enorme entre apontar pressões inflacionárias presentes, ou ainda prováveis, e produzir material terrorista. Alimentar expectativas de altas de preços é criar condições para aumentos efetivos. Se o reajuste é apresentado como praticamente certo, pode-se induzir o consumidor a aceitar mais facilmente qualquer ação especulativa. Mesmo sem terrorismo sempre há espaço para alguma especulação. Isso tem ocorrido, normalmente, quando se anuncia qualquer aumento dos combustíveis. O reajuste inicial, nos postos de serviços, é quase sempre exagerado. Em alguns dias, no entanto, os preços se acomodam.
O estrago pode ser muito maior – e muito mais duradouro – quando poderosos meios de comunicação anunciam enormes efeitos inflacionários de um reajuste do PIS-Cofins cobrado sobre os combustíveis. Predições desse tipo ocorreram nos últimos dias. Começaram quando o governo federal informou a intenção de elevar tributos para preservar a meta fiscal deste ano. Com arrecadação ainda fraca e muita incerteza quanto a receitas especiais programadas, como as do novo Refis, os ministros da Fazenda e do Planejamento decidiram buscar mais dinheiro por meio de maior tributação. Haviam prometido evitar esse caminho enquanto pudessem, mas o espaço de escolha diminuiu, embora os números de junho tenham refletido a incipiente recuperação da atividade em alguns setores.
É fácil para qualquer órgão informativo mostrar a insatisfação dos consumidores diante de um aumento de imposto com reflexo imediato nos preços. Também é fácil, embora um tanto grotesco, entrevistar consumidores num supermercado sobre expectativas de repasse daquele aumento aos preços finais do varejo. Economistas do mercado, muito mais experientes e mais equipados para estimar efeitos desse tipo, já haviam revelado suas primeiras avaliações.
De modo geral, os cálculos indicavam impacto moderado na taxa final de inflação neste ano. Ao apresentar a revisão bimestral de receitas e despesas, na sexta-feira, o governo incluiu nos parâmetros macroeconômicos uma inflação prevista de 3,7% em 2017. Pode-se discutir se esse número foi deliberadamente subestimado.
Se esse tiver sido o caso, o governo terá tomado um risco muito estranho, por ser incompatível com o esforço para preservar sua credibilidade e a confiança do mercado no esforço de ajuste da economia. Números indicados um dia antes por economistas do mercado, no entanto, haviam confirmado a expectativa de inflação ainda moderada neste ano. O ponto mais contestável do conjunto de parâmetros foi a manutenção de 0,5% como crescimento esperado para o produto interno bruto (PIB). A maior parte das projeções correntes tem ficado mais perto de 0,3%.
A reafirmação da meta fiscal deste ano, um déficit primário de no máximo R$ 139 bilhões, é parte de uma política voltada para a retomada do crescimento econômico, tem repetido o ministro da Fazenda. A arrumação das contas públicas, segundo ele, é condição para um crescimento mais veloz e mais seguro do PIB. Isso faz sentido, se a arrumação for considerada como condição para um gasto público sustentável – e mais eficiente – e para a melhora da classificação de risco do País. Melhor classificação envolve crédito mais fácil e mais barato e maior atração de capitais. Além disso, finanças públicas em condições de equilíbrio de longo prazo resultam em menores pressões inflacionárias e em juros mais baixos.
Se as novas decisões de política econômica estiverem basicamente erradas, ou mal formuladas, isso será verificado antes do fim do ano. Mas um ponto já é bastante claro: criticar seriamente a política econômica é muito diferente de criar de forma gratuita expectativas inflacionárias. Talvez esse tipo de crítica esteja de fato interessado em atingir o governo, talvez o presidente da República. Mas também quanto a isso convém estabelecer uma distinção. Fazer oposição ao governo, ou mesmo campanha contra um governante, é muito diferente de tentar criar um ambiente inflacionário. A inflação atinge todas as pessoas, e mais duramente as mais pobres. Isso é terrorismo.
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Sem pânico inflacionário
Editorial, Estadão, 25/7/2017
A inflação continuará bem abaixo da meta de 4,5%, neste ano, mesmo com o aumento do PIS-Cofins sobre os combustíveis – pelo menos segundo economistas de instituições financeiras e consultorias consultados na pesquisa Focus do Banco Central (BC). Apesar de previsões catastróficas divulgadas por alguns meios de comunicação, os especialistas parecem ter ficado imunes ao pânico. A mediana de suas projeções para 2017 passou de 3,29% na semana anterior para 3,33% na sondagem fechada na sexta-feira passada e divulgada ontem. Já na sexta-feira, profissionais consultados pela Agência Estado haviam antecipado uma pequena variação nos cálculos e novas estimativas nada assustadoras. A avaliação dos diretores do próprio BC deve ser conhecida amanhã à noite, quando for anunciada sua nova decisão sobre a taxa básica de juros, a Selic, atualmente fixada em 10,25%.
Por enquanto, os economistas do mercado mantêm suas principais apostas em relação aos juros. No fim do ano, segundo a mediana das projeções, a Selic estará em 8%, nível já projetado na semana anterior. A taxa indicada para o fim de 2018 também ficou inalterada em 8%. Para dezembro de 2019, a estimativa foi baixada de 8,13% para 8%.
Não há sinal, nessas projeções, de preocupação quanto a algum grande choque inflacionário. As previsões de alta do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) continuaram em 4,20% para 2018 e 4,25% para 2019. No fim do próximo ano a taxa, embora superior à de 2017, continuará abaixo da meta. No ano seguinte estará, segundo a projeção, exatamente na nova meta, recém-estabelecida, de 4,25%.
As estimativas de câmbio também permaneceram sem grandes alterações – R$ 3,30 por dólar em 2017, R$ 3,43 em 2018 (pouco menor que a indicada na semana anterior) e R$ 3,50 no ano seguinte. Todas as projeções, é claro, especialmente as de períodos mais longos, podem ser desmentidas pelos fatos, mas o detalhe importante, neste momento, é outro: os técnicos especializados em explorar o futuro pouco mudaram suas apostas sobre inflação, juros e câmbio depois de anunciado o aumento da tributação sobre a gasolina e outros combustíveis. Esse aumento deve produzir algum efeito no conjunto dos preços, mas nada bastante grande para justificar o terrorismo de uma parte do noticiário.
Alguns defensores da avaliação catastrofista ainda poderão insistir, no entanto, apontando a variação proporcional dos números coletados na pesquisa Focus. Afinal, a taxa de 3,33% estimada para a inflação em 2017 é 12,16% maior que a estimada uma semana antes (3,29%). É verdade. Uma diferença de 12,16% é considerável, quando se pensa em termos de proporções. Mas, por esse critério, o aumento da inflação nas economias avançadas tem sido e continuará catastrófico.
Segundo a classificação do Fundo Monetário Internacional (FMI), a inflação ao consumidor passou de 0,3% em 2015 para 0,8% em 2016 naquelas economias. A taxa mais que dobrou e ficou 166% maior. Se a projeção para 2017 estiver correta, as famílias daqueles países terão enfrentado, até dezembro, mais um ano desastroso. Afinal, a taxa esperada para este ano, de 2%, é 150% maior que a de 2016. Nesse quadro, a experiência dos consumidores alemães tem sido especialmente dramática. Sua inflação saltou de 0,1% em 2015 para 0,4% em 2016, ou seja, foi multiplicada por quatro.
Seria muito melhor, é claro, se o governo brasileiro pudesse evitar o aumento de tributos e mesmo assim entregar o resultado fiscal prometido para este ano, um déficit primário igual ou inferior a R$ 139 bilhões. As principais dificuldades foram explicadas quando o ministro do Planejamento, Dyogo Oliveira, divulgou a terceira revisão bimestral de receitas e despesas. Houve, nos últimos dias, quem cobrasse maior contenção de gastos. Em princípio, a ideia é muito boa, mas cortes mais significativos dependem da reforma da Previdência e de mudanças para tornar o Orçamento menos engessado. Houve muito menos protestos quando os governos petistas, atendendo a interesses eleitorais, aumentaram o engessamento das contas da União.

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