19 de abril de 2024
Walter Navarro

Você pega o trem azul


Durante muito tempo eu falava e escrevia “descarrilhar”, em vez de descarrilar. Pra falar a verdade, ainda prefiro minha versão, mas quem sou eu contra a língua portuguesa?
O fato é que, com ou sem h, os trens brasileiros continuam saindo dos trilhos. Frequentemente, literalmente, como a Supervia, no Rio de Janeiro, não nos deixa mentir. De super, só a incompetência, trens velhos e doidos. Transportam gente pior que gado. Cenas mostradas na televisão fazem lembrar e temer gente – inclusive grávidas – pisoteada, esmagada, contundida e viajando no melhor estilo lata de sardinha.
Nossos trens não têm o mínimo conforto. Não oferecem lugares suficientes e por isso, entrar nos vagões é uma aventura, uma guerra. Tudo isso, com atrasos indecentes e um calor de derreter trilhos. Os longos percursos e a velocidade de cágado completam o cenário de terceiro mundo. Trocá-los por ônibus? Vocês estão brincando comigo… Metrô? Vocês querem que eu chore…
Trens são instrumentos dos mais antigos e, ao mesmo tempo, símbolos de riqueza, modernidade, agilidade, conforto e civilidade. Nos Estados Unidos, na Europa e no Japão entre poucos outros. Os trens brasileiros estão mais para piadas sem graça na Internet, mostrando vagões superlotados, com passageiros no teto ou fora deles, em países como Índia, Paquistão e demais vanguardas do atraso.
Dizem… Me contaram… Que a culpa é de Juscelino Kubistchek. Que, devido sua gana em “mudernizar” o Brasil, acabou satanizando e aposentando nossas estações e trens, em prol das indústrias de automóveis e pneus. Ora bolas, não dava para levar os dois meios de transporte juntos? Dois não. Cadê o principal, nas grandes cidades, o metrô? O de Londres tem 150 anos; o da vizinha Buenos Aires também está lá há décadas. Por que o Brasil não tem os meios de transporte coletivo que merece e precisa tão urgentemente?
Neste tétrico cenário sem luz ou túnel no final, automóveis e caminhões são os males mais necessários do país. Causam acidentes, mortes violentas, deficiências físicas e emocionais. Perdemos vidas, tempo e dinheiro com estradas assassinas e esburacadas pelo descaso, incompetência e excesso de caminhões e suas cargas pesadas.
Neste país grande e bobo, como diria o amigo Eduardo Almeida Reis, trens em profusão resolveriam todos os problemas de transporte de cargas e passageiros. Imaginem uma viagem de Porto Alegre a Manaus, passando por Minas e o Nordeste! É pedir muito? Claro que não.
A falta de trens ainda destrói nossa economia. Vejam a balbúrdia e engarrafamentos para embarcar produtos de exportação no porto de Santos, por exemplo.
Qualquer candidato à presidência da República deveria ser obrigado a colocar a ressurreição das ferrovias em seus projetos de governo. E repitamos, sem esquecer o metrô, fundamental para o conforto, agilidade e produtividade de seus operários. Sim, porque está mais que provado; povo cansado trabalha e produz muito menos.
Este tema não é novo em meu baú, pelo contrário.
Estou voltando a ele, por vias indiretas. Fim de 2013, nos arrabaldes da rodoviária e do caos; perdão, do cais do porto; no Rio de Janeiro, vi cenas degradantes de dezenas de vagões de trem, jogados e apodrecendo em lotes baldios: ocupando espaço, gerando insalubridade e insegurança, poluindo visual e concretamente. Pus-me a pensar, porque, até então, pensar não dói.
Pausa para uma viagem artística. Daqui a pouco volto aos vagões derretendo na fogueira das vaidades e burrices.
Outro dos grandes problemas de “lixo de luxo” no Brasil são carros, geladeiras, fogões pneus e demais tesouros que jogamos fora, todos os dias. Aliás, transporte e reciclagem de lixo são OS problemas do Brasil.
O lixo da construção civil vale ouro e é pouquíssimo reutilizado. Todo lixo industrial tem esta característica e todos, em vez de gerar riquezas, geram prejuízos, doenças e bagunça.
Quando vão começar a reciclar ferro, cimento, borracha, etc? Quando as matérias-primas acabarem?
Bom, para reciclar vossos olhos, continuo na próxima semana.
PS: Você pega o trem azul, o sol na cabeça; o sol pega o trem azul, você na cabeça, um sol na cabeça.

Walter Navarro

Jornalista, escritor, escreveu no Jornal O Tempo e já publicou dois livros.

Jornalista, escritor, escreveu no Jornal O Tempo e já publicou dois livros.

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