24 de abril de 2024
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Aonde nos levará essa pinguela?

Foto: Uol (Google Arquivo)

Hoje é meu aniversário e é um luxo comemorar aniversário compartilhando ideias com pessoas que a gente nunca encontrou, independentemente de concordarem ou discordarem dos nossos pontos de vista. Até outro dia, se alguém previsse que eu hoje estaria publicando um texto tão explicitamente em primeira pessoa, escancaradamente confessional, eu duvidaria, enfática.
Talvez pelo mito&meta apreendido e perseguido de que jornalistas devem ser imparciais, objetivos, desprovidos de subjetividade. Mas aí vieram as plataformas digitais, as redes on line e o que as pessoas parecem querer ler é justamente a escrita de si, nossos achismos, sentimentos, autoenganos. O que demonstram querer ver é mais subjetividade e menos o mito da impessoalidade.
É tão fácil entender isso quanto explicar. A notícia, a informação seca e objetiva, todos já sabem. Está disponível em qualquer lugar. O que se quer hoje é interpretação, curadoria, confissão, o que cada um tem de seu, pessoal e intransferível. Não tenho, hoje, nada especial para revelar, tampouco frustrações pessoais a lamentar. Gosto da minha vida como é, com o que pude fazer dela com os limões que tive. Não me permito grandes lamentos quando olho ao redor. Não sou do tipo que acredita que verde é a grama do vizinho. A grama de todo mundo está sempre meio áspera.
SEGUNDA MÃO – Acho que nasci para dar errado, e diante dos rumos para os quais a vida me tangeu, acredito que dei foi muito certo. A vida me acenava com outros cenários. Talvez com uma prole grandinha, confinada lá no Brasil profundo, com emoções de segunda mão, como beijos de novela e finais felizes da sessão da tarde. Não sei se dei um nó na vida ou se ela deu um nó em mim. O fato é que tudo foi diferente. Fui imprevisível o suficiente para, mesmo formatada no Grupo Escolar Rural da Lagoa Preta, formar em jornalismo na UFBA, em 1989, após, em troca disso, ter deixado pelo caminho um casamento e uma faculdade de Medicina. Terminei o curso com dois filhos e nenhum marido, pecados mortais no mundo de onde eu venho. Sorry, mas eu já era empoderada e nem sabia e isso não me torna melhor nem pior.
De lá para cá, a vida foi mais legal que ruim, com as dores, os amores e os desamores possíveis. Nasci quando a ditadura tinha um ano e estou vivendo os meus 50 numa democracia tão estranhamente democrática que venho tendo dificuldade de compreender e traduzir muita coisa. De passo em passo, passamos a caminhar em marcha ré por caminhos tortos. Acabamos por desembocar numa espécie de valão das esperanças perdidas, sob tempos turvos. Recentemente, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, referindo-se ao pós-impeachment e ao Governo Temer, disse que estamos atravessando uma pinguela. Pinguelas são aquelas pontezinhas improvisadas com uma tábua, um pedaço de pau, sobre um rio, córrego ou riacho, sem proteção lateral.
CACHORRO LOUCO – Goste-se ou não de FHC, estamos mesmo caminhando sobre uma pinguela. Só discordo da perspectiva dele de que ela foi instalada no impeachment e estaremos do outro lado quando as urnas das eleições de 2018 cuspirem o nome de quem vai subir a rampa do Planalto em 2019. Já estávamos sobre essa pinguela podre há tempos e não temos garantia alguma de que não será um aventureiro ou um cachorro louco que estará a nos dar a mão farsesca na outra margem da lama sobre a qual hoje nos contorcermos, pé ante pé, tais quais malabaristas cruzando abismos.
As notícias, sejam no papel, nas redes, nos dispositivos móveis, na TV, dão conta desse Brasil disparado em marcha ré. Das mais altas e importantes autoridades do país às pessoas mais comuns, o que se vê é todo mundo querendo arrancar a dentes o coração do outro. Os tribunais de foice digital matam a cada segundo a reputação de um, por uma mera palavra mal lida, pescada sem critério algum que não seja o do #somostodoshaters. Está tudo muito doido, até as formas como os jovens convidam-se uns aos outros para as festinhas na esquina. Nesta semana, li alguém do meu círculo afetivo fazendo um convite para uma balada nos seguintes termos: “deixe a dignidade em casa e venha zerar”. Baby, já zeramos o que havia para zerar e nem precisa pedir para deixar a dignidade em casa. Uns não atenderão o imperativo do convite porque não têm casa. Outros, porque já não sabem o que é dignidade. Andiamo.

O Boletim

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