16 de abril de 2024
Yvonne Dimanche

Duas lembranças


LUANA – Luana é sobrinha da primeira babá da minha filha. Ela nasceu em fevereiro de 1985, sete meses antes da minha filhota. Dessa forma, ela era figurinha fácil lá em casa.
Em um belo dia, ela saiu com a avó quando tinha menos de dois anos, caiu do ônibus e machucou o joelho. Nada de grave aparentemente, só que entrou uma bactéria nesse joelho e ela teve septicemia. Isso foi em novembro e ela foi parar no Hospital da Posse, em Nova Iguaçu. Estado gravíssimo em menos de 48 horas após o tombo.
Só Deus sabe o quanto sofremos lá em casa e minha mãe estava sempre preparada para ficar com a filhota, porque vez por outra a família da Luana era chamada para ir ao hospital para se despedir dela. Chegou dezembro e eu e mais algumas pessoas amigas fizemos uma vaquinha para comprar presentes legais para as enfermeiras. Sim, corrupção ativa mesmo.
O tempo foi passando e Luana não morria. Do estado gravíssimo, passou para grave, estável, até que saiu da UTI. Seis meses depois saiu do hospital. Uma festa.
Final feliz? Nem pensar. Um tempo depois teve leucemia e foi parar no INCA. Meus amigos, eu espero que vocês nunca tenham que passar pela experiência de visitar a ala de crianças com câncer. Ninguém merece ter uma doença dessa, principalmente uma criança. Saía de lá de quatro todas as vezes em que a visitei.
E mais uma vez Luana se curou sem transplante de medula óssea, mas recebeu transfusão de sangue justamente na época em que a AIDS chegou ao Brasil e eu pensei cá comigo mesma que era só o que faltava, mas ela não teve nada.
Não sei por onde anda a Luana, mas hoje me lembrei dela ao tomar banho e ver a cicatriz no meu seio direito. Eu tive a sorte de ter tido uma bactéria que, ao invés de ter se dirigido para o meu coração ou pulmões, optou por atacar esse seio. E tem gente que acha que eu deveria fazer uma plástica. Nem morta. Essa cicatriz é a prova que Deus é meu amigo e eu quero conservá-la para sempre.
O tempo e a distância são os maiores inimigos da amizade. Queria saber como anda essa família que fez parte da minha vida por muito tempo. Espero que Luana seja uma linda moça fazendo algo de bom para a humanidade. Ela sobreviveu e deve ter sido por uma nobre razão. Assim espero.
CATEQUESE – Em 1962 fiz a minha primeira comunhão. Não sei como alguém com 8 anos de idade tem condições de optar por uma religião. Minha filha só foi batizada aos 6 anos e meio, porque ela assim quis, mas tudo bem, deixa pra lá.
Pois bem, lá íamos nós todos os domingos à missa das crianças na Igreja da Matriz de São João Batista da Lagoa. Acho que era às 8 ou 9h da manhã. Missas em que o padre ficava de costas para o rebanho. As mulheres casadas ou viúvas usavam véu preto, as virgens ou crianças como eu, véu branco. E tome de ajoelhar, levantar, sentar, ajoelhar e um ritual que eu não entendia ou não queria entender nada.
Só que no final da missa, tinha o lanche da garotada, sendo que a maior parte era de crianças da favela de Santa Marta. Normalmente era banana, pão com marmelada ou outra coisa qualquer. No entanto, quando ofereciam pão com queijo e presunto, as crianças só faltavam se matar e a minha mãe comentava com a gente o que é ter fome na vida. Tudo bem, sou uma pessoa generosa, porque ela despertou esse meu lado igualmente generoso, mas aquilo era terrível para mim.
Por conta disso não como pão com marmelada ou goiabada nem que a vaca tussa. E eu, que tenho uma memória maravilhosa para assuntos de infância, não me recordo de nada que aconteceu no ano de 1962, a não ser da minha catequese e do infortúnio que ela causou na minha vida até os dias de hoje. Cruel demais.
Um lindo final de semana para todos e até o próximo Boletim e por favor não briguem por conta de política.
Coluna publicada em 10/10/2014

O Boletim

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